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Vielas que cortavam o caminho por entre os quarteirões e que permitiam durante o pôr-do-sol acompanhar alguns rituais comuns de pessoas que voltavam do trabalho, conseguindo ouvir, desde o portão da casa, o barulho da válvula da panela de pressão cozinhando feijão, inundando o ar, do quintal ao jardim, com um cheiro inesquecível de atenção materna...

...de vitrôs pequenos, o cheiro de sabonetes cor-de-rosa se espalha através do vapor de banhos contentes por algumas das coisas terem dado certo durante o dia...

No varal, feito de pedaços emendados de arame, sustentados por uma alta taquara, roupas lavadas à mão, presas por prendedores de madeira manchados de chuva, vão limpando o ar do quintal inteiro com o cheiro do alvejante usado para manter tudo sempre novo.

O quintal... cheio de baldes e bacias de alumínio de vários tamanhos, onde as roupas mais importantes, as de serviço, são quaradas naquelas manhãs cintilantes de sol, quando a mãe começa seus afazeres, após ligar o rádio num daqueles programas que misturam músicas muito antigas com comentários que reforçam a nostalgia dos tempos da vida no interior, onde a calma e tempo podiam acompanhar todos os gestos dos habitantes.

Os sapatos engraxados em casa, o pirex que guarda junto o queijo e a goiabada, a televisão ligada na hora da janta, só prá dar oportunidade de todos fazerem alguma piada, e mostrar que tudo vai bem...

Uma parte da louça lavada, os últimos barulhos da descarga da última pessoa que foi dormir, e todas as luzes se apagam (menos o luar que continua banhando a casa de marimbondos presa na calha), porque o sono pode abraçar a todos naquela casa, protegida pelo mais sagrado objeto em uso que um lar pode honrar: o pincel de barba do pai.

De manhã, após a competição para se garantir uma das pontas da bengala, café com leite em canecas  craqueladas, onde o pão com manteiga é mergulhado para ficar mais macio e  gostoso como tudo nessa casa, de vasos de latas de tinta forrados com papel alumínio, cheios de samambaias e avencas saudáveis decorando o que nem seria uma varanda, mas que é onde dá prá se conversar-abraçar-beijar todos os que de manhã sairão para mais um dia de trabalho honesto.

Pelas vielas da memória, muitas destas imagens ainda tentam esconder-se do imerecido e corrosivo niilismo que pretende executar nossos arrimos.

Pelas vielas do tempo, pedaços cada vez maiores de respostas vão se abraçando, perdoando nossos mais descabidos equívocos, cometidos ao relento das vielas da vida.

Pelas vielas da mente, gatos, pombos e cachorros sem dono continuam passando, enquanto tentamos entender os papagaios presos nos fios elétricos dos postes das vielas de nosso raciocínio, e as pedras lançadas para tentar derrubá-los...

Felizmente, cheias de fenômenos simples como carinhos suaves, sussurros de descanso e permissões íntimas que amantes e amigos gostam de ter para manter o tom das vozes sempre doce, terno e atencioso, as vielas do coração ainda ajudam a cortar caminho rumo ao amanhã, mesmo que nos demoremos nelas, passeando distraídos e de mãos dadas com os tons do pôr-do-sol, com os desenhos da lua e com a farra das estrelas que ainda brilham...

...corações são lares quando batem por alguém.

 

Gilberto José Picosque

[Amigos, apenas o desabafo de um jornalista que mora há três anos em São Paulo]

 

A melhor notícia do dia foi saber que Paulo Maluf dormiu na cadeia. Entregou-se à polícia federal na madrugada de sábado, depois de uma juíza de São Paulo ter acatado um pedido de prisão preventiva do Ministério Público, baseado em escutas da Polícia Federal que mostravam Maluf e seu filho, Flávio, tentando coagir testemunhas. Achei que não viveria para ver isto: Maluf preso.

 

Desde o fim da ditadura militar, Maluf é a figura mais notoriamente corrupta do Brasil. E, de certo modo, uma verdadeira vergonha para o jornalismo brasileiro.

 

Se é verdade que a abertura política concedeu uma maior liberdade de ação às redações, é também verdade que duas ou três gerações de jornalistas (paulistanos principalmente) tentaram provar que Maluf é corrupto e levá-lo à cadeia. Ou não é verdade que o sonho do jornalista é revelar segredos irrefutáveis que levem o corrupto à cadeia?

 

Todos falharam. A fala do filho de Maluf para o doleiro é reveladora. "Fique tranqüilo", disse ele. "Nós estamos nessa há muito tempo."

 

Maluf foi governador de São Paulo, prefeito de São Paulo, elegeu seu sucessor, emprestou seu nome a um verbo usado na linguagem popular (embora "malufar" não esteja registrado no Houaiss, mas todos saibam seu significado), manteve seu sorriso para as câmeras e sua retórica afinada. O que adiantou os jornais levantarem suspeitas contra Maluf? As suspeitas chegaram a quem? E elas pesaram em quê? Nada.

 

Pior: qual é a parcela de contribuição da imprensa nas provas levantadas contra Maluf? Ou, em outros termos, será que a imprensa apenas repercutiu o trabalho do Ministério Público e da Polícia Federal ao longo do tempo?

 

Maluf foi prefeito de São Paulo entre janeiro de 1993 e dezembro de 1996. Faz quase nove anos que saiu do governo, mas somente agora está na cadeia, embora não se saiba até quando. O verbo "malufar", é bom que se diga, era conhecido antes da década de 1990.

 

A conclusão é simples: a imprensa tentou pegar Maluf pelo rabo, mas não conseguiu. Por quê? O que está errado?

 

Enquanto Maluf, criador do verbo "malufar", continua solto, permanece a sensação de impunidade. É bom que se diga que a criminalidade é coibida não pelo grau da pena (se perpétua ou de dez anos), mas pela certeza de punição. Maluf é o contra-exemplo: "Estamos nessa há muito tempo".

 

A imprensa permitiu que Maluf continuasse "nessa há muito tempo". Todas as demais instituições têm responsabilidades, sem dúvida, mas não dá para acreditar que a imprensa fez seu trabalho. Não fez. Não está fazendo. 

 

 

A guerra infinita de Vladimir Putin

Causa perplexidade a atitude das forças russas no episódio da escola em Beslan, na Ossétia do Norte, ocupada por um comando checheno. Mas quem conhece Vladimir Putin não se surpreendeu com a decisão de seu governo em invadir o prédio.

Causa perplexidade e escândalo a atitude das forças de segurança russas no episódio da escola ocupada pelo comando checheno, produzindo centenas de mortos e feridos. Mas nenhum observador se surpreendeu com a atitude do governo de Vladimir Putin, diante da sua trajetória pessoal e dos antecedentes de casos similares.
Depois de ter tolerado Boris Yeltsin, que entre um trago e outro, consolidou o sepultamento da URSS preparado por Mikhail Gorbachev, as potências ocidentais se sentiram aliviadas pela ascensão de Putin, mesmo que às vezes manifestem em público certa apreensão com as origens na KGB que teve o mandatário soviético, com certos “excessos” dele na repressão a órgãos de imprensa opositores, ou aos métodos de repressão de alguns magnatas do empresariado privado.

A economia soviética retomou seu desenvolvimento depois da moratória – que os bancos internacionais e o FMI suportam perfeitamente bem –, o abastecimento de gás russo está garantido e a “ordem” reina em Moscou. Mas Putin cobra do apoio à dado aos EUA na guerra contra o regime taleban a mão livre para cuidar dos seus próprios islâmicos, concentrados na Chechênia.

Estes, alinhados com o setor islâmico mais radical, reagem com todas as formas violentas de que são capazes, em Moscou ou nas províncias, como as invasões e os seqüestros têm demonstrado. E recebem as reações estilo bushiano por parte de Putin. Por isso, mesmo quando o líder russo declarou que o mais importante no episódio sangrento recentemente concluído era a vida das pessoas, nenhum observador crítico levou a sério a observação dele. Bastava conhecer seus métodos e o que significaria na sua linha dura de combate à resistência chechena qualquer concessão para salvar essas vidas.

As potências ocidentais, pelo rabo preso que têm com o governo russo, pouco ou nada farão de dura condenação a Putin, que por sua vez já se defende com argumentos sobre a falta de coordenação das forças de segurança, como se um governo dirigido por um ex-membro da KGB pudesse deixar de atuar com critérios estratégicos de segurança nacional em um caso como esse.

Concentrarão a condenação nos “terroristas”, os mesmos que ameaçam jornalistas franceses e tomam como reféns empregados de empresas que lucram com a reconstrução do Iraque. Os chechenos se tornam novos parias, como foi o caso, entre outros, dos curdos. Em seu nome Putin leva a cabo sua guerra infinita.
 

A dor nas ruas
POR  Pe. Júlio Lancellotti

        Os últimos dias que vivemos, nesta cidade, são de profunda dor e indignação frente ao massacre que atinge os irmãos de rua. A violência que os atingiu feriu a consciência de toda a nação, manchou de sangue a nossa cidade, produziu morte, tristeza e dor.

O povo da rua em São Paulo, mais de dez mil pessoas, é resultado de acúmulo de perdas, de exclusão, desencontros, solidão e busca de saída quando o cansaço não consegue matar as poucas possibilidades que restam. A nossa cidade foi a primeira no Brasil a construir uma lei de políticas públicas para a população em situação de rua, a sua regulamentação foi o primeiro ato da administração da prefeita Marta Suplicy. Os esforços são imensos, mais ainda, insuficientes para enfrentar a máquina gigantesca de exclusão que dilacera não só a cidadania, mas, também, a qualidade de vida e a dignidade humana.

O caminho para se chegar à rua é penoso, cheio de dor e perdas, e o caminho para se sair dela é igualmente longo e exigente, recomposição de significados, auto-estima e perspectivas que produzam esperança, cidadania e dignidade. Os meios para facilitar o caminho de volta passam pelo respeito, aceitação, vínculo e confiança. Todo esse processo pode ser lento, sem respostas imediatistas, sabendo diferenciar o individualismo do pessoal e do comunitário.

A população de rua te muito a nos ensinar sobre a condição humana e a complexidade da existência. As pessoas que vivem nas ruas não são um número, um índice, um problema, um incômodo a eliminar, mas nos desafiam naquilo que mais empobrecemos: “a humanização”.

Os que vivem em condição de rua tiram as nossas máscaras e mostram a nossa omissão, nos falam de maneira clara o que não queremos ouvir, são o que são sem muitos adereços, nos dão uma lição de autenticidade e desvelam a nossa verdade.

Os que vivem na rua denunciam a incapacidade de produzir e partilhar os bens de maneira justa e fraterna. A insanidade de mata-los é negar a sua existência e a nossa resistência em mudar e aceitar os nossos egoísmos.

Ao visitar os feridos em hospitais nos invade a perplexidade diante de tanta dor, produzida por crueldade assassina e genócida que não é capaz de avaliar o tamanho do retrocesso na construção de relações humanas e fraternas. A mobilização da sociedade em repúdio ao massacre tem de impulsionar novas ações, aprofundar e ampliar as políticas públicas de proteção e cidadania da população de rua.

A busca dos responsáveis por tais crimes e sua punição na forma da lei não conclui o fato, pois é preciso saber como evitar a repetição de tanta crueldade por ações preventivas e propositivas.

O movimento é de ações emergenciais, mas, também, de avaliação e retomada de metas, métodos e indicadores de qualidade. A experiência acumulada já apresenta elementos suficientes para sistematizar uma metodologia humana e respeitadora que tem a autonomia e a cidadania como objetivos e a proteção dos mais fracos e fragilizados.

Os mortos e os feridos são histórias únicas que carregam em si o mistério da existência do amor e da dor. Quando aos não-identificados, chamados  oficialmente “desconhecidos”, nada tira deles a condição humana e de serem considerados nossos irmãos.

A nossa cidade não poderá, jamais, esquecer o crime que a fez estremecer pela crueldade e covardia de quem fere mortalmente quem está adormecido, desprotegido e indefeso. A população de rua está, sempre, a reclamar trabalho e moradia como o binômio indissociável para gerar condições de vida autônoma e livre, e nos provoca a ser criativa a nossa ação, não repetindo modelos já superados de segregação e massificação.

Uma sociedade que protege os mais fracos é uma sociedade que protege a todos; a sociedade que abandona os mais fracos, abandona todos.

O povo da rua mostra no seu sofrimento que os que os abandonaram estão abandonados também, afogados em seu próprio egoísmo e por isso não são felizes. A educação para a tolerância, para a justiça e para a paz é indispensável para formar um povo, uma nação e um país.

 

Pe. Júlio Lancellotti

 

Um olhar a sua volta basta
Por David Driesmans

Os portadores de deficiência precisam de mais espaço na sociedade.  Segundo estimativas, na Organização Mundia da Saúde ( OMS ), uma em cada dez pessoas no mundo possui algum tipo de deficiência física, mental ou sensorial, o que representa 10% da população mundial.  Agora eu pergunto, onde estão essas pessoas?  Muitas estão em casa, por causa de várias barreiras. Na nossa cidade, por exemplo, as ruas são esburacadas  e cheias de desníveis,  o transporte publico na sua maioria não tem adaptações para portadores  de deficiência.  Evitam também sair para lugares públicos pois ficam incomodados com olhar de menosprezo de alguns e piedade de muitos.   A sociedade precisa saber o quanto essas pessoas são capazes.  Um bom exemplo, é do americano Tom Whittaker, que perdeu uma perna em um atropelamento em 1979, e em 1989 foi a primeira pessoa portadora de deficiência, que conseguiu escalar em 60 dias, o Monte Everest Quando existe força de vontade qualquer desafio é superado, já dizia o filósofo chinês “  Tao Tse” : Não sabendo que era impossível ele foi lá e fez”. Cada um de nós pode contribuir com pequenas iniciativas: o dono da padaria, do shopping, por que não rampas? ; as empresas, por que não contratar portadores de defiência;  Assim a sociedade poderá comportar todos, com suas diferenças e qualidades. 

Nada ao mestre do suspense , de 14/1/04

Por Rodrigo Romero

Pouco antes de morrer, em 29 de abril de 1980 aos 80 anos de
idade e 55 de carreira, Alfred Hitchcock recebeu do governo
inglês o título de Cavaleiro Comendador do Império Britânico.
Virou sir Alfred Hitchcock. Mas não foi reconhecido como  deveria. Este prêmio recebido quase postumamente não
representou sequer uma reles migalha do que o “Mestre do
suspense”, como foi denominado ainda em vida, fez para o
cinema mundial. Pelo menos o público o pôs em um pedestal
onde repousará eternamente.
De família cujos rigores religiosos foram fortes, Alfred
cresceu com medo do pai e da mãe. Aos 21 anos, largou a
formação rígida e partiu em busca de um sonho: entrar para o
mundo do cinema. Iniciou a trajetória com elaboração de
roteiros. Depois de algum tempo, quando um famoso estúdio
cinematográfico abriu filial em Londres (onde nasceu, em 13
de agosto de 1899), virou assistente de direção. Os dois
filmes de estréia foram rodados na Alemanha em 1925 e 1926 e
eram mudos. Com acuidade, realizou “O Locatário” também em
1926. Recebeu aplausos dos espectadores.
E é exatamente neste filme que Hitchcock fez sua primeira
aparição relâmpago. Um dos extras (figurantes) faltou na
gravação e o próprio diretor o substituiu. A partir daí, ver
Alfred nas telas se transformou em obrigação por parte
dele. “Se eu não aparecesse, quem visse o filme ficava
intranqüilo. Quando eu aparecia, era um alívio: agora podemos
respirar”, disse certa vez. A angústia era verdadeira. Nas
décadas de 30 e 40, estourou como fenômeno nas películas.
Fitas como “O Homem que Sabia Demais” (1934, refilmado em
1956) e “Rebecca, a Mulher Inesquecível” (1940, ganhador do
Oscar de melhor filme) são referências até hoje no quesito
suspense.
De degrau em degrau, Hitchcock se aprimorava. Sagaz e ao  mesmo tempo sisudo, ele empolgava platéias com cenas de tirar
o fôlego. Quem não se sentiu um autêntico voyeur em “Janela
Indiscreta” (1954) ou então cansou de se sentir perseguido
em “Intriga Internacional” (1959, uma verdadeira obra-prima)?
Além das histórias bem montadas e armadas, a maioria dos
roteiros tinha uma mesma idéia: o inocente é declarado
culpado e, com o desenrolar dos fatos e com muita pressão
psicológica, começa a se sentir realmente o mais odiado dos
verdugos.
As trilhas sonoras eram impecáveis. Exemplo disso está
em “Psicose” (1960), na famigerada cena do chuveiro. Lá, o
som das facadas foi feito através de pontadas em mamão. O
sangue era chocolate líquido. Os atores e atrizes também eram
a calhar. Grace Kelly está deslumbrante tanto em “Janela
Indiscreta” como em “Disque M para Matar” (1954). A dupla Kim
Novak e James Stewart está primorosa e sazonal em “Um Corpo
que Cai” (1958, considerado o melhor suspense da história do
cinema). Tudo para Hitchcock era assim: escolhido a dedo.
Imitado, reverenciado, aplaudido. E não era pela grande pança
que exibia quando surgia repentinamente nos filmes. Tampouco
pela calvície cultivada desde jovem e pelas bochechas caídas  como a de um cão buldogue. Recebeu cinco indicações ao Oscar.
Não ganhou nenhuma. Aos 80 anos, ainda trabalhava. Rodava “A
Curta Noite”. Porém, não conseguiu concluir o filme. A
herança, contudo, é maior que a vida dele. Filmes e mais
filmes para serem assistidos a exaustão, sem o cansaço bater
à porta. Alfred Hitchcock foi (e continua sendo) um histrião
cordato de alma senil.

Andei muito tempo por todas as pequenas vielas do meu bairro.

Por Gilberto José Picosque

Vielas que cortavam o caminho por entre os quarteirões e que permitiam durante o pôr-do-sol acompanhar alguns rituais comuns de pessoas que voltavam do trabalho, conseguindo ouvir, desde o portão da casa, o barulho da válvula da panela de pressão cozinhando feijão, inundando o ar, do quintal ao jardim, com um cheiro inesquecível de atenção materna...

...de vitrôs pequenos, o cheiro de sabonetes cor-de-rosa se espalha através do vapor de banhos contentes por algumas das coisas terem dado certo durante o dia...

No varal, feito de pedaços emendados de arame, sustentados por uma alta taquara, roupas lavadas à mão, presas por prendedores de madeira manchados de chuva, vão limpando o ar do quintal inteiro com o cheiro do alvejante usado para manter tudo sempre novo.

O quintal... cheio de baldes e bacias de alumínio de vários tamanhos, onde as roupas mais importantes, as de serviço, são quaradas naquelas manhãs cintilantes de sol, quando a mãe começa seus afazeres, após ligar o rádio num daqueles programas que misturam músicas muito antigas com comentários que reforçam a nostalgia dos tempos da vida no interior, onde a calma e tempo podiam acompanhar todos os gestos dos habitantes.

Os sapatos engraxados em casa, o pirex que guarda junto o queijo e a goiabada, a televisão ligada na hora da janta, só prá dar oportunidade de todos fazerem alguma piada, e mostrar que tudo vai bem...

Uma parte da louça lavada, os últimos barulhos da descarga da última pessoa que foi dormir, e todas as luzes se apagam (menos o luar que continua banhando a casa de marimbondos presa na calha), porque o sono pode abraçar a todos naquela casa, protegida pelo mais sagrado objeto em uso que um lar pode honrar: o pincel de barba do pai.

De manhã, após a competição para se garantir uma das pontas da bengala, café com leite em canecas  craqueladas, onde o pão com manteiga é mergulhado para ficar mais macio e  gostoso como tudo nessa casa, de vasos de latas de tinta forrados com papel alumínio, cheios de samambaias e avencas saudáveis decorando o que nem seria uma varanda, mas que é onde dá prá se conversar-abraçar-beijar todos os que de manhã sairão para mais um dia de trabalho honesto.

Pelas vielas da memória, muitas destas imagens ainda tentam esconder-se do imerecido e corrosivo niilismo que pretende executar nossos arrimos.

Pelas vielas do tempo, pedaços cada vez maiores de respostas vão se abraçando, perdoando nossos mais descabidos equívocos, cometidos ao relento das vielas da vida.

Pelas vielas da mente, gatos, pombos e cachorros sem dono continuam passando, enquanto tentamos entender os papagaios presos nos fios elétricos dos postes das vielas de nosso raciocínio, e as pedras lançadas para tentar derrubá-los...

Felizmente, cheias de fenômenos simples como carinhos suaves, sussurros de descanso e permissões íntimas que amantes e amigos gostam de ter para manter o tom das vozes sempre doce, terno e atencioso, as vielas do coração ainda ajudam a cortar caminho rumo ao amanhã, mesmo que nos demoremos nelas, passeando distraídos e de mãos dadas com os tons do pôr-do-sol, com os desenhos da lua e com a farra das estrelas que ainda brilham...

...corações são lares quando batem por alguém.

 

Gilberto José Picosque

 
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